segunda-feira, 7 de junho de 2010

PERDOAI-LHES, SENHOR, PORQUE ELES SABEM O QUE FAZEM…

Quem espera ler algo novo e fresco, passe ao artigo seguinte, que este é mais do mesmo. É a professora – mais uma - a reclamar, encore une fois…

Pois que ontem aconteceu algo que me deixou de monco caído todo o dia. Não foi nada do outro mundo nem nada de que eu já não tivesse ouvido falar. Chateou-me porque finalmente chegou a minha vez… Na verdade, já ouvi falar de coisas bem piores terem acontecido aos meus colegas de ofício. Ao menos não me bateram, não me espatifaram o carro, não me chamaram nomes. Pelo menos não directamente e não ainda. Ora, no seguimento do envio de (mais uma) informação sobre as faltas da Maria (chamemos-lhe assim), a respectiva encarregada de educação respondeu-me, mais uma vez e por escrito, brindando-me com mimos. Em missivas anteriores já me havia acusado de meter a filha” de parte” e já se demitira do papel de justificadora de faltas em série (epíteto de minha autoria), dizendo que não justificava nem mais uma! Fez uma birra, foi o que foi. Além de aturar as dos filhos, parece que agora também tenho que aguentar as birras dos pais. Desta vez, que foi ontem, a Maria entregou-me, toda lampeira, mais um recadinho da progenitora. No papelinho a senhora dizia que se eu não aceitava determinadas justificações de faltas assinadas por ela, tal se devia à minha “cor de cabelo” (loura=burra?), mandou-me “beijinhos” e disse-me que estava à minha espera “das oito à meia-noite”. Espero ter conseguido transmitir para esse lado do papel o profundo carinho e a intensa ironia que impregnavam o papelito. E quando me disseram que conversas destas eram normais da parte de quem vinham, não me serviu de consolo saber que a referida encarregada de educação e respectivo agregado eram (re)conhecidos como os gangsters/ Mike Tyson/ parasitas/ ladrões/ traficantes aqui do burgo. Aborrece-me ser tratada assim seja por quem for, mas especialmente por alguém com quem nunca sequer falei, alguém que eu não me conheço. Aborrece-me NUNCA ter posto os olhos em cima da senhora lá na escola, o que naturalmente, atesta a preocupação que ela tem com a descendência. A única vez em que a vi foi fora da escola e foi quando comecei a ouvir berros. Era a dita senhora, rodeada dos 1547 filhos, aos gritos, a gritar impropérios provocatórios. O que ela queria sei eu; naturalmente que não lhe fiz a perna: ignorei-a. Pronto, incomoda-me eu estar a fazer o meu trabalho – informa-la das faltas da filha, já que ela não faz o seu, que é zelar para que a filha não falte às aulas - e a senhora achar que me pode insultar assim, sem mais nem menos. Se não aceitei as justificações da senhora foi porque eram estapafúrdias e pronto. Quando a senhora percebeu que não me comia por tola com justificações ridículas, não enfiou a viola no saco. Ainda achou que tinha razão e achou engraçado partir para o insulto e para a provocação. É com esse sublime exemplo maternal que a filha – e restante linhagem - dá agora os primeiros passos numa promissora carreira de não-me-contraries-que-levas-já-nas-trombas.

Falando ainda no dia de ontem, e porque uma desgraça nunca vem só, tive a visita da mãe do José (chamemos-lhe assim). Eu também não sabia se era branca, se era preta, porque, apesar de faltar três semanas para o final do ano lectivo, ainda nunca lhe tinha posto a vista em cima. Já lhe tinha telefonado antes para lhe perguntar, solícita e educadamente, se o filho planeava voltar às aulas ou se tinha feito como o Toyota. A senhora disse-me que não tinha “mão no pequeno” – que já não é pequeno há muito tempo - e que tinha decidido que naquele ano não ia sequer à escola porque não estava para se chatear. Já no ano anterior tinha ido à escola e não tinha servido de nada. Juro que quando ouvi aquilo passei o telefone para a mão direita para me poder benzer com a esquerda. E depois de eu lhe ter dito que já tinha passado a informação das faltas à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, a senhora foi ao Centro de Saúde pedir um atestado para assim justificar o facto de o filho não vir às aulas, mas poder vir todos os dias socializar para a porta da escola. A senhora ficou inclusivamente escandalizada quando a médica se recusou a passar-lhe o dito papel, até porque o filho tinha uma prima que já estava há três meses em casa de atestado e também não estava doente. Fiquei boquiaberta. A senhora prosseguiu a sua dissertação, elogiando-me abundantemente e queixando-se da directora de turma que o filho tivera no ano anterior, que era muito bruta com ela, que a tratava como a um chinelo por causa do filho, etc., etc.. Mal sabia a senhora a vontade que eu tinha de a atirar pela janela fora sem antes abrir a janela.

Sim, pais e encarregados, justifiquem as faltas todas da menina porque se ela faltou foi porque quis e porque deve ter tido as suas razões. Sim, tratem mal e desautorizem os professores. Sim, peçam atestados para o filho poder continuar a fazer turismo à porta da escola sem a CPCJ incomodar. Sim, façam-lhes as vontades todas agora que depois vão ver o sarilho que têm à porta.

A nossa Sophia é que sabia: Perdoai-lhes, Senhor, porque eles sabem o que fazem.

terça-feira, 11 de março de 2008

Há tanto tempo...

Vi agora a mãe de um aluno meu no Modelo.
-Oh, sra. professora! Está boa? Há tanto tempo que não a via...
E eu, de sorriso bem amarelo, a pensar:
-Ora... Aí está!

segunda-feira, 3 de março de 2008

Direcção de turma


Sou directora de turma. No entanto, não faço milagres.
Ser directora de turma não é mau quando se tem condições para se trabalhar. Quando não as há, é um verdadeiro pesadelo. O que acontece é que os directores de turma têm 90 minutos por semana para tratar de todos os assuntos referentes à sua direcção de turma.


Vamos por partes. 45 desses minutos são dedicados ao atendimento aos encarregados de educação. Escusado será dizer que os encarregados de educação que me visitam no meu horário de atendimento são sempre os mesmos, com pouquíssimas excepções. E geralmente, são os encarregados de educação que menos “precisam” de vir à escola... Ou seja, aqueles que eu estou mesmo mortinha para apanhar a jeito, nunca lhes ponho a vista em cima, porque não aparecem lá, não telefonam, não mandam recado, não respondem aos recados, não nada. Os pais dos “casos bicudos” tem uma alergia à escola, que até fazem lembrar os filhos… Quando, finalmente, à custa de lhes inundar a caixa de correio com cartas a informar de reuniões, faltas e o que não, e muitos telefonemas depois, consigo arrastar um deles à escola para tomar conhecimento de um dos milhentos planos que temos para o seu querubim, o(a) senhor(a) decide recostar-se na cadeira e falar de como era a escola no seu tempo e de como hoje em dia os miúdos já não aprendem um décimo do que se aprendia há 30 ou 40 anos atrás… Isto não seria mau, se eu não tivesse 45 minutos para atender TODOS os meus encarregados de educação. Resultado, a minha hora de almoço vai à vida… E ainda dizem que os professores não trabalham…


A propósito, estava eu hoje na sala de directores de turma quando liga um papá para falar com o director de turma. Atendi eu o telefone.
- Boa tarde, era para falar com o professor Laurindo.
-Lamento, mas ele acabou de sair.
-Mas (todo exaltado) ainda não são 3 horas, o atendimento ainda não acabou. Ele ainda devia estar aí.
- O atendimento terminou às 2:45h e faltam… 3 minutos para as 3h.
- Ah… Então, obrigada.
O tom árido da sua voz deixou claro que “estes professores nem para esperarem um quarto de hora que uma pessoa telefone… Porque uma pessoa trabalha!” Coincidência, nós, professores, também!



Os outros 45 minutos são dedicados apenas a registo de faltas, justificação de faltas, anexação das faltas no dossier de turma, elaboração e emissão de correspondência aos encarregados de educação, telefonemas aos encarregados de educação, elaboração de uma enormidade de planos e relatórios, etc. Depois disto tudo, espero que fique claro que o “apenas” usado acima é absolutamente irónico. Pois, como raios é suposto que eu consiga fazer tudo isso em apenas 45 minutos?


Pois é, i’m only human


sábado, 1 de março de 2008

Amores e desamores


Ontem, como disse, comemorei o centenário com a minha direcção de turma. Os miúdos levaram sumos e bolos e batatas fritas e bolachas e o que se lembraram. Eu levei Doritos e uma garrafa de água. Os Doritos andaram, mas a água, como é óbvio, veio comigo para casa.
A meio da comezaina, da conversa e do jogo de cartas, lá dei por uma pessoa que eu não conhecia no canto da sala, rodeada por alguns dos meus alunos. Aproximei-me para ver quem era aquele “corpo estranho” na minha sala… Ao aproximar-me, verifiquei que afinal era a F, minha aluna. Estava, no entanto, inchada de chorar, motivo pelo qual não a reconheci imediatamente. Parecia que os olhos se lhe tinham afundado na cara, e que as maçãs do rosto se tinham tornado mais salientes. Primeira constatação: caramba, as pessoas ficam mesmo feias quando choram!

Sentei-me em cima da mesa em frente ao “grupo de apoio” e perguntei logo o que tinha acontecido. A F não atinou a responder-me. Aliás, acho que nem me ouviu, porque estava com os headphones na cabeça e as lágrimas corriam-lhe em bico. Mas a amiga lá me explicou que “a F gosta um bocadinho do ex-namorado da V (nota importante: a V e a F são colegas de turma). Quando a V soube que a F o tinha comido, deixou o namorado novo e veio a correr pró velho! Isso mete nervos, senhora professora!” Durante segundos, embatuquei naquela parte do “ter comido”. Mas rapidamente passei à frente, porque me apercebi de que o busílis da questão, naquele momento, estava longe de ser a precocidade da F…

“Oh, F! Que cena triste... Mas, olha, tens que ser superior a essas coisas!”
“E se ela abre a boca, rebento-a toda!”- deduzi que a F se referisse à V.
“É claro que ela não vai dizer nada. Não a vês ali tão caladinha? ”
O J, membro do já referido grupo de apoio da F, sugere, lá do alto dos seus mui experientes catorze anos:
“Sabes o que é que tens que fazer, F? É dar ao desprezo! Dá ao desprezo que ele vem logo atrás de ti. É assim que eu faço. Nunca vou atrás de rapariga nenhuma e elas andam atrás de mim que nem doidas.”
Tive que suprimir um sorriso (de facto, uma gargalhada), enquanto paria a minha segunda constatação: as coisas que eu aprendo com estes miúdos! São verdadeiros mananciais de informação… Com 14 anos, note-se!

Bom, a F não ficou logo de feijão arreganhado, mas sei que segunda-feira já vai estar como nova. Se há uma coisa que os meus miúdos têm é uma capacidade de regeneração invejável. Segunda-feira o tal rapaz já será apenas uma vaga lembrança…

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Constatações

Só tenho pena de não me ter lembrado de fazer isto mais cedo...
Acho que os profes tem realmente coisas interessantes para contar. Verdadeiras histórias do arco-da-velha... Episódios caricatos e façanhudos, episódios comoventes, episódios hilariantes, episódios trágicos, episódios para todos os gostos, enfim.
Vou contar aqui algumas das minhas pérolas...